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domingo, 22 de agosto de 2010

Luiz Marenco - De Alma, Campo e Silêncio

De Alma, Campo e Silêncio

Noite de campo que vejo numa lembrança de outr'ora
Beira de um fogo que acalma, triste cambona que chora
Alma povoada em silêncio deste meu rancho fronteiro
Mateando alguma saudade costeando o sono da espora

Vento que geme na quincha feito um basto na estrada
Resmunga o som de tesoura do picumã amorenada
Quem sabe traga de arrasto alguma manga pras casa
E um cheiro bruto de terra pra envadir a madrugada

Noite que chora pro campo tocando a tropa na sanga
Batiza os lábios da china num galho flôr de pitanga
Somente o sonho que cresce num distanciar de povoeiro
Que parte junto com a aguada pra alguém que vive de changa

E a primavera se estende com olhos claros pra lida
Bolear a perna na estancia, este é meu rumo na vida
Solito eu cruzo as horas num camperear de invernada
De rédea firme por diante com alguma mágoa contida



Luiz Marenco - De a Cavalo

Tenho a vida de a cavalo
entre alegrias e penas
por andejar campo afora
mudei a cor das melenas
semeando tombos de pealos
de Cerro Largo a Bolena

Marcas de laços e guampas
bordadas no tirador
despertei risos nas chinas
por guitarreiro e cantor
abri janelas de ranchos
nas dobras do corredor

Das Palmas ao Jaguarão
conheço sangas e grotas
do Camaquã ao São Luiz
dos Três Cerros ao Candiota
gastei o aço do estrivo
na curvatura das botas

Já pisei cada coxilha
deste meu pago fronteiro
de Santas Tecla a Aceguá
formei o tino campeiro
fui peleador e ginete
nas festas de Vichadero

Enredei crinas nos dedos,
nos dois lados da fronteira
domei potradas velhacas
uruguaias, brasileiras
e andei parando matreiros
nas sogas das boleadeiras

Nas tropilhas das estâncias
andam pingos no meu freio
são cavalos pra quem sabe
o que fazer sobre os arreios
destes que cincham sozinhos
num serviço de rodeio

De a Cavalo

Empurrei miles de bois
em pingos de cola atada
nas tropas pra São Domingas
que vinham cheirando a estrada
e silenciaram pra sempre
na marreta das charqueadas

Por onde desensilhei
nos mais crioulos rincões
deixei cantigas de espora
no chão duro dos galpões
e floreios de cordeonas
entre os mates dos fogões

domingo, 6 de junho de 2010

Luiz Marenco - Das Precisão Pra Viver

Das Precisão Pra Viver

Composição: Sérgio Carvalho Pereira - Luiz Marenco

Não preciso quase nada pra vida de peão campeiro
Espora, cincha, baixeiro, boieiras, luas e aguadas
Um galo pras madrugadas, e uma guitarra pra noite
Flor de trevo nas canhadas, maçanilha do horizonte

Tão pouco é o que se requer, prá vida das invernadas
Um ranchito meia água que dê prá filho e mulher
Cavalo forte altaneiro, boa rédea, boa cabeça
Que se lembre se eu me esqueça das precisão de campeiro

Pingo de muitos segredos, sabe o que falta prá mim?
Pelo cheiro do remédio que se aboca o criolim
Pelo tinir das argolas que falta chave e cambona
Pelo aroma do perfume que me vou pras querendonas

Não saio nunca das casa sem levar poncho imalado
Pra um campeiro é um pecado as manga d'água do agosto
Trago nas rugas do rosto as precisão da experiência
Que a vida é como ciência foi me lavrando a seu gosto

Então não me falta nada prá cruzar por estes campos
Um clarão de pirilampos e o pó da terra na mala
O campo me deu a calma e o vento me deu a crença
E a precisão da querência como municio pra alma

Luiz Marenco - Da Boca pra Fora

Da Boca pra Fora

Composição: Gujo Teixeira / Luiz Marenco

Quando a palavra precisa
Da boca pra ganhar asas
Tem sempre um beijo guardado
Pra esconder o que ela traz.
Tem sempre um lindo sorriso
Que sabe estancar a dor...
...Porque a saudade faz parte
Da alma de um sonhador.

Cuidamos uma palavra
Pras horas que se precisa
Quando a voz tem sua vontade
E por si se realiza...
E pode, por mal falada
Ter suas garras afiadas
Deixando a vida marcada
Se o corte não cicatriza.

Tem vezes que a gente chora
Por coisas que nos habitam
Que ficam dentro da alma
Olhando a vida de longe.
Tem vezes que o sal dos olhos
Deixa a tristeza correr...
Mas as lagrimas são minhas
E de quem as merecer.

Quando a palavra incomoda
(Talvez por ficar tão presa)
E se acostuma ao silêncio
Que volta e meia impera.
Os olhos voltam pra si,
O sorriso desencanta...
...Pela voz que a alma trouxe
E morreu junto a garganta.

Talvez por serem de tantos
E tantas vezes falada
A palavra traz a sina
De às vezes não dizer nada.
Mas quando menos se espera
Fala a sua vontade
Deixando dentro da boca
Um gosto ruim de saudade.

Tem vezes que a gente chora!
Mas da boca pra fora...
...não fala nada.

Luiz Marenco - Da Alma Branca Dos Que Têm Saudade

Da Alma Branca Dos Que Têm Saudade

Composição: Gujo Teixeira - Joca Martins

Da alma branca dos que tem saudade
brotam luzeiros pra clarear o dia
E na madrugada junto a um fogo grande
repontam a querência que estava vazia
E se repetem por saberem o rumo
que a vida toma por andar vadia

Nem mesmo o tempo por ter contratempos
reconhece o sonho entre os temporais
Que a alma inventa cada vez que a gente
se perde de um jeito de não se achar mais
E se desespera por saber que a espera
pode ser pequena ou não findar jamais

Cada vez que a alma por não ter morada
acha novo ninho pra pousar as asas
Uma outra alma oferece abrigo
que a gente às vezes o transforma em casa
E quando então uma saudade fica
junto a um fogo grande pra soprar as brasas

E a gente chora de chover por dentro
por mais que essa dor nos siga as pegadas
Nem mesmo que a chuva com suas nuvens negras
apague seus rastros que marcaram a estrada
Daí então meu rumo possa ter destino
de vencer distâncias e topar paradas

E da alma branca dos que tem saudade
o que a gente então pode perceber
Que a luz dos olhos pode ser o brilho
que vamos tentando em vão esconder
Pois quem tem os olhos de olhar por dentro
reconhece a alma por saber querer

Luiz Marenco - Cova de Touro

Cova de Touro

Composição: Luiz Marenco

Quando os ventos de setembro, aguçam o instinto das feras
E a novilhada retoça, pelo cio da primavera

Covas de touro se abrem, florescem trevos no meio
E os tauras travam combates, pelo poder do rodeio

Um touro pampa de marca, mandando terra pra cima
Outro touro pêlo osco, por contragosto se arrima

Dois tauras por excelência, duas tormentas a frente
Juntando forças de campo, pra desaguar numa enchente

Nos quatro esteios das patas, eu monarqueava meu posto
Prenunciando pêlo e sangue, que a espora conhece o gosto

"O mouro nem escarceava, atento ao mundo da volta
E os meus quatro ovelheiros, formavam a guarda da escolta
Depois da luta firmada, e as armas postas pra querra
Aspas de ponta de lança, lombos curtidos, de terra"

Torenas assim se pecham, como se fosse um ritual
Pelear pra sobreviver, ou por um simples ideal

Não param nem pelo mango, nem nos encontros do mouro
Peleiam por serem tauras, por seu instinto de touro

Depois cansados tranqueiam a vão seguir seus caminhos
Deixando covas abertas, pra um avestruz fazer ninho

Luiz Marenco - Correndo as Varas do Peito

Correndo as Varas do Peito

Amanheço galponeando, garroteando alguma pena
Por que sei que nesta Pampa, ainda tem muito pavena
Enquanto a cambona aquenta, passo um fio na minha chilena

É balda antiga que eu tenho e que agarrei já taludo
De medir força de mano com velhaco e cogotudo
pois é diversão mais linda, que Deus fez pra um crinudo

Se sai cuspindo nos pulso, fazendo aquele alvoroto
Atiro o caixão pra trás, grudo-lhe o mango no potro
E como quem bate roupa dou de um lado e depois de outro

Me agrada a lida de campo, capação, banho e refugo
Lidar com eguada xucra, das que não conhecem jugo
Tapar de rodilha o maula, fazer da volta o sabugo

Ou num plaino de varzedo por gauchada de moço
Sair de enfiada num osco abrindo o peito em retoço
Cruzar o rastro e botar o laço no fervido do pescoço

Noite escura não me assusta, em qualquer furna eu me meto
Não tenho medo de assombro, nem que seja um esqueleto
Já peleei com o diabo velho montado num chibo preto

Um baile em costa de mato, la pucha como faz bem
Se o santo padre soubesse o gosto que isso tem
Abandonava a igreja, vinha pra farra também

Sou parte desse universo, grama destas pradarias
Quando o cambicho empandilha desejos e nostalgias
Boto as garras no meu mouro e percuro as alegrias

Luiz Marenco - Contigo Me Vou de Tiro

Contigo Me Vou de Tiro

Composição: Sergio Carvalho Pereira e Juliano Gomes

Contigo me vou de tiro
Pouco me importa a jornada
Ao tranco o primeiro suor
Ao trote o resto da estrada

Não caminho acolherado
Nunca fui cabresteador
Andei entortando argola
Rebentando cinchador
Mas me topei com teu rastro
Me fui de tiro e de amor

Me cantaste tua milonga
Bordão e prima estirada
E eu que vivia delongas
De peito e corda cansada

Contigo me fui de tiro
Pra te escutar pela estrada
É tua voz que eu prefiro
Quando já não ouço nada
Tu me maneia(s) os fantasmas
Povoação das madrugadas

Eu e tu na mesma ronda
Tapados da mesma geada
Andamos na mesma sombra
Sobre o campo projetada

Depois que fixei teu rosto
E me encandeou teu olhar
Me fui de tiro por gosto
Do gosto de te mirar

E ganho o mundo contigo
De tiro e tanto te amar.

Luiz Marenco - Charla de Fronteira

Charla de Fronteira

Começo então meu relato, sobre o pago e a gauchada
Léguas de campo buenaço, indiada força no braço e é crioula a cavalhada
Canto sem muito floreio esta terra pacholenta
Onde se mete o cavalo e qualquer que for o embalo
A todo o tirão se agüenta

Canto pra aqueles que entendem este linguajar campeiro
Que foi parido na pampa e carrega a chucra estampa no cantar deste fronteiro
Tiros de laço em rodeio, apartes paleteadas
Pechando o touro no meio
E lidando com a eguada

Fim de semana em bolicho se encontra bochincho grosso
Hay canha, jogo de truco, carreira cancha de osso
E quem nasceu nesta terra, se destaca entre os outros
Se criou numa mangueira
Lidando e domando potros

Disse Martim meu patrício encerrando sua história
Suspeitem que lhes dou pau saibam que esquecer o mau também é se ter memória
Vou terminando meus versos, pois me agrada bem assim
Relatei sobre a fronteira, querência de Dom Martim
E vou fechando a porteira
Que a chamarra chega ao fim

Luiz Marenco - Charla de Domador

Charla de Domador

Composição: Jayme Caetano Braum / Luiz Marenco

Gateado e mouro pangaré e lobuno
Tordilho e baio me criei domando
Qualquer é bueno quando tem comando
Ninguém é mestre se não tem aluno

Quem doma sabe aprendeu com o potro
Maestro rude desta lida braba
Só existe um jeito de evitar a baba
Em lua nova não se enfrena potro

Bocal e rédeas maneador carona a cincha o basto e o pelego branco
O jeito lindo de alargar o tranco e anca macia pra levar a dona
Domar e ciência mas precisa raça garrão de touro pra enfrentar a lida
Nesta carpeta onde se joga a vida não vendem fichas para jogar de graça

Buçal cabresto tirador chilena
Sinchão de pardo e o garrão borraio
Um mango feio pra surrar cruzado
E uma de canha pra espantar as penas

O brabo mesmo até parece farra
Pro andarengo tu nem sabe quanto
Depois de tudo envelhecer domando
Sem ter um flete pra soltar as garras

O brabo mesmo até parece farra pro andarengo tu nem sabe quando
Depois de tudo envelhecer domando sem ter um flete pra soltar as garras

Luiz Marenco - Changueiro de Vida e Lida

Changueiro de Vida e Lida

Quando acabarem-se as esquilas
Pra onde irei, pra onde irei?
Talvez changuear para juntar mais alguns pilas
Que sempre gasto mais depressa que ganhei
Vou assoliar meu poncho velho
Fiel parceiro, fiel parceiro...
O João Maria me avisou de lá do povo
Conta comigo pra tropear pra um saladeiro
E assim será, porque haverá de ser assim a vida de um peão
Changueando a lida vida a fora sem buscar razão
Nem me interessa outro moldes se não for assim
E viverá
Porque viver sendo changueiro é tudo o que aprendeu
Sabe que as preces nada valem pra quem é ateu
Nem catecismos pra quem não tem fé.

Quando acabarem-se as esquilas
Pra onde irei, pra onde irei?
Talvez changuear para juntar mais alguns pilas
Que sempre gasto mais depressa que ganhei
Vou assoliar meu poncho velho
Fiel parceiro, fiel parceiro...
O João Maria me avisou de lá do povo
Conta comigo pra tropear pra um saladeiro
Vou madrugar
Passar na venda, encher a mala de garupa e sair
Galope alegre rumo ao rancho pra fazer sorrir
Minha chinoca e os piazitos que esperando estão
E vou ficar
Dois ou três dias para matar essa saudade enfim
Juntar as garras e partir, pois tem que ser assim
Meu rancho é o mundo e as estradas.... se nasci peão

Quando acabarem-se as esquilas
Pra onde irei, pra onde irei?
Talvez changuear para juntar mais alguns pilas
Que sempre gasto mais depressa que ganhei
Vou assoliar meu poncho velho
Fiel parceiro, fiel parceiro...
O João Maria me avisou de lá do povo
Conta comigo pra tropear pra um saladeiro
Então irei, mas uma vez, pingo de tiro pelo corredor
Arrepassar meu próprio rastro sempre campeador
E auroras novas que iluminam o pago de onde vim
E cantarei, meu canto alerta
terra e fogo changueador também
Com a certeza que na vida nada nem ninguém,
Há de domar o potro xucro que escarceia em mim

Luiz Marenco - Chamarrita de Galpão

Chamarrita de Galpão

Composição: João Sampaio com adaptação de Noel Guarany

A trote e a galope percorro qualquer lonjura
Com a minha vida nos tentos e a justiça na cintura

É coisa linda de ver, um índio quando se agarra
E destorce um doze braças dando pealos de cucharra
E a dirigir a festança no compasso da chamarra

O dia que eu amanheço com os pés apapagaiado
Com a bombacha arremangada e o tirador do outro lado
Milico na minha frente não passa sem ser notado

Quem será aquele louco que vai todo a disparada
Respondi no pé da letra não é louco, não é nada
Aquele lá é um gaúcho que vai ver sua namorada

Sou domador de mão cheia ginetaço flor e flor
Tranço laço, ainda por cima tenho sorte para o amor
Não sou manco na guitarra, guitarreiro e cantador

Luiz Marenco - Caso a Lua Fosse Cheia

Caso a Lua Fosse Cheia

Composição: Gujo Teixeira/Luiz Marenco

Há um sorriso de lua, "quarto-crescendo" no céu
Se escondendo no chapéu, de ventos já desabado
Frente ao olhar que retoma, que é um vistaço no dela
Mirando desde a cancela, um sonho do mês passado

Mais uma vez me entrego, de alma e de coração
Dando rédeas pra razão, que às vezes bota maneia
Preparo trança de doze, bombilhas de prata e ouro
Pra ir luzindo no couro, caso a lua fosse cheia

Amar é desencilhar, quando se chega em visita
Depois soltar as desditas, pra um fundo de invernada
Tomar um mate cevado, com poejo e boas vindas
Olhando os olhos da linda, matar a sede da estrada

Quem anda de alma estradeira, "às vez" se perde de si
Por isso que hoje parti, bombeando a lua de perto
Direito a um rancho "nas lavra", onde mora o bem querer
Motivo pra se estender, num trote de rumo certo

Sabe Deus que me conhece, faz um "punhado" de anos
Que eu tenho feito meus planos, e a coisa já andou feia
Que ia ser bem bonito, eu mostrando a noite bela
Pra minha linda na janela, caso a lua fosse cheia

Amar é buscar mais lenha, pra o fogo na madrugada
Depois de mate e estrada, de sonho e alguma razão
E entregar toda alma, sem rédeas e sem aviso
Acostumando um sorriso, às baldas de um coração.

Luiz Marenco - Canto de Quem É Campo

Canto de Quem É Campo

Composição: Xiru Antunes - Luiz marenco

Um vento não sei de onde
De assombro me deixa mal
Esvoaça uma "ponte-suela"
"Gacha" orelha o meu bagual

Se ergue num redemoinho
Abrindo sulcos no macegal
Não fosse a graxa das "corda"
Ganhava o lombo do "payonal"

Não fosse um par de estrelas
Com lumes de pêlo e sal
Não fosse um mango descendo
Qual raio num temporal

O galpão dos meus invernos
Meu altar de picumãs
Garante o meu "garrerio"
Pra inventar navegações

E se as penas me costeiam
Em algum semblante cinzento
Adelgaço corunilhas
Neste meu templo moreno

Campeiro, alma de vento
Mansidão de madrugadas
Feitiço de algum palheiro
Índias prosas de fumaça

Luiz Marenco - Cantador de Campanha

Cantador de Campanha

Composição: Sergio Carvalho Pereira

Meu trabalho é de peão campeiro
conforme diz meu documento
sigo sem afrouxar nenhum tento
de campanha, crioulo e fronteiro

Mas eu trago outro ofício no mundo
que esses fundos já sabem qual é
canto baile nos ranchos de campo
do Retiro a Azevedo Sodré

Bendição que eu carrego comigo
ser um peão cantador de campanha
com o gaiteiro eu me entendo por sanha
pra pobreza eu até já nem ligo

Me chamaram pra sábado agora
cantar um baile na costa do Areal
eu não tenho no bolso um real
mas eu sou o cantador dessa gente de fora

Chão batido de saibro vermelho
meia água de quatro por cinco
vou mirando os buracos do zinco
e cantando ao clarão do cruzeiro

Que faz ano a guria mais nova
lá do rancho do seu Gomercindo
e eu não sei qual o semblante mais lindo
das três filhas da comadre Mosa

A Isabel, a Canducha e a Rosa
nem te digo qual a mais bonita
todas três com vestido de chita
com pregueado de fita mimosa

O Amadeus na gaita de botão
e o Condonga no violão canhoto
e um zumbido igual gafanhoto
no pandeiro do negro Bujão

Duas moças vem do Parador
e uma prima de São Gabriel
pode ser que a menina Isabel
faça uns olhos de graça pra este cantador

Se clareia agarremo a estrada
que a pegada é só segunda feira
vou cantando mais duas vaneiras
dessas de iluminar madrugada.

Luis Marenco - Cansando o Cavalo

Cansando o Cavalo

Composição: Gujo Teixeira / Luiz Marenco

Por estas voltas de campo
Andei cansando o cavalo...
Tocando o gado por diante
Mandando a vida pra frente
Sabendo que o Sul pra gente
É bem maior do que tantos
Tamanho os olhos dos outros
Querendo o verde dos campos

Andei rodando esporas
Sovando tantas badanas
Trazendo junto dos tentos
Minha querência em rodilhas
Olhando a alma dos campos
Renascer junto às flexilhas
Mesmo que o verde mais lindo
Fique pra lá da coxilha

(Por estas léguas...
- Manda cavalo!
Mas vai tranqueando por diante
Que o mango vem de regalo)

Mas ando sempre no tranco
Que minha prosa agüenta
Pois meu gateado sustenta
As coisas quanto ele quer
Se tem o mundo por conta
Coiceia chirca e se some
Trocando a lida de ponta
Perdendo a doma dos homens

Pra quem olhasse depois
Duas estampas pacholas
Levando o verde nos olhos
E a querência à bate-cola
Nem se daria por conta
Que o sustento vem da gente
E só bebe a melhor água
Quem descobrir a vertente

(Por estas léguas...
- Manda cavalo!
Mas vai tranqueando por diante
Que o mango vem de regalo)

Só quando a lida me deixa
Descubro o mundo que eu vejo
Um pouco além da coxilha
Tão as coisas que eu desejo
Pra dizer bem a verdade
São bem iguais às daqui
Mas sempre canso o cavalo
Só pra dizer que eu vi

(Por estas léguas...
- Manda cavalo!
Mas vai tranqueando por diante
Que o mango vem de regalo)

Luis Marenco - Campesino Cantador

Campesino Cantador

Campesino cantador, desfraldo um bronze rural
Com gosto de pastiçal e aromas de campo em flor
Um assovio faz fiador, e se entropilha no meu verso
Comigo mesmo eu converso, a lo bruto, guitarreando
E escuto o mundo pulsando, no coração do universo

Trago dos velhos galpões, baldas e perfis humanos
E centauros americanos em de redor dos fogões
Fecundando aspirações que se perderam ao léu
E ao rebentar o sovéu, me paro quieto a cismar
Pois quando empeço a pajar, eu canto olhando pro céu


Pois todo cantor campeiro, que apeia de rancho em rancho
E Muito mais que esse andar ancho de gaudério e estradeiro
Carrega um vento, um pampeiro no mais fundo do tutano
E se abre o peio paisano pela redenção social
transforma o canto em missal ou num libélo pampeano

Me perdoem se me miro, e me vejo chão campeiro
Pois um taura guitarreiro, se torce mas não dá giro
Esse é o arame que estiro no lombo do descampado
Sou um taita meio abugrado, cantador de alma andeja
Que tem o céu por igreja e a pampa de altar sagrado

Por aqui paro a guitarra, que soluça em mi maior
E limpo a gota de suor, que no bigode se agarra
Lá longe meu pingo esbarra e relincha, que maravilha
Pois sabe que quem o encilha, carrega um pampeiro, um vento
Que esporeia o pensamento, da paleta até a virilha

Luis Marenco - Campereando

Campereando

Composição: Mauro Moraes

Na charla dos milongueiros, contraponteando o silêncio
Eu sempre digo o que penso, quando o violão me golpeia
E me garanto por terra, cantando coisas do campo
Sem molestar o quebranto, dum bordoncio queixoso
Aqueles do olhar lacrimoso, quando voltamos pra dentro

Campereando vou, campereando, vou
Vou eu, à cavalo, encurtando o pago, campeador

Guardo nas léguas dos olhos, remorsos nunca esquecidos
Um catre "bueno" e curtido, pros dias que não enfreno
Tropilhas do mesmo pelo, parceiros das invernadas
Quando amadrinho quarteadas, no pampa do meu estado
E um coração solidário, velando a luz do luzeiros

Sabe comadre milonga, fulana nem sei das quanta
Sempre que um sonho se planta tenho com quem conversa
Ando de lado atorado, marcado pelo meu jeito
Quando a dor abre o peito, e o vento nada responde
Talvez buscando horizontes, eu mude a cara do tempo

Luiz Marenco - Cada Interior

Cada Interior

Composição: Gujo Teixeira

Cada interior que há no olhar da minha gente
E um rincão de sombra mansa e de sereno
E o proprio pago com sentidos de crescer
Na mesma sina de quem sabe que é pequeno

E um rancho simples, e mais outro lado a lado
Barro de tempos nas paredes sem janelas
E um jeito seu, original em ser morada
Simplicidade e o que a vida deu pra ela

O arvoredo fica ao sul da encruzilhada
Rumando a estrada de quem vai, sem nem notar
Que quem um dia ganha um rumo só de ida
Espera um tanto, pra na vida se encontrar

Mate cevado, prosa boa, até se encontra
Quando a tarde encarde o céu e a chuva desce
Água de longe, fogo escasso pras cambonas
E um, dois mates e depois já se agradece

Há uma esperança no florir das laranjeiras
De tempos doces, de esperar mesmo que em vão
Que a vida boa, um dia chegue e desencilhe
E ajeite um rancho igual a tantos no rincão

Não é pecado ser feliz com pouca coisa
Quando se quer apenas vida e um pouco mais
Pois pra quem vive um dia assim depois o outro
O tempo é escasso, pra querer voltar pra trás

Luiz Marenco - Botando Um Pealo

Botando Um Pealo

Composição: letra: Gujo Teixeira/ musica: Luiz Marenco

Um pampa-brazino mocho
Ganhou o mundo da porteira
Levantou terra por touro
E disparo na manguera.
Eu ajeitava minha armada
Quatro rodeilhas e um destino
Um doze braças, de oito
De couro de um boi salino.

-zunio o vento no céu...
-bateram bombos na terra...
Era um encontro ao acaso
Era um combate de guerra.
Cruzou o pampa-brazino
Meu laço segui seu rastro
Tava com fome de um pealo
Pois foi lambendo o pasto.

O pampa juntou as mãos
Deu cara-volta e plantou-se
Estendeu umas dez braças
E depois acomodou-se.
Parece que foi rezar
Pra o seu santa protetor...
-mas o meu santo é mais forte
E ainda é pealador!

Pois qunado boto um pealo
Meu tirador nem faz conta
Quadro o corpo e só escuto
O estouro na outra ponta.
Deixo assim, que se estenda
Despois que espiche meu laço
Que eu ainda me governo
Seja com jeito, ou no braço.

Logo se vem o capataz
Com a peonada apertando
Firma a cabeça e coleia
Por que a marca vem queimando.
E a faca no serviço
Por bem afiada se guia
E deixa um risco de sangue
Coloreando na "viria".

Depois foi um, e mais outro
Serviço de tarde inteira
Era um buraco no chão
Na saída da porteira.
Pra resumir essa história
Vou lhes contar como foi:
-quando caia era touro
Depois do pealo era boi...

Luiz Marenco - Bem Querer

Bem Querer

Composição: Gujo Teixeira

Eu sei morena, não é só saudade
nesses meus olhos querendo te ver.
Já se perderam por tantos olhares
mas hoje sabem o que é um bem querer.

Por isso, linda, meus olhos se acharam
pois buscam apenas o que sabem ter
as coisas boas que me alegram a vida
o teu olhar e o teu bem querer.

Luiz Marenco - Bem Pro Sul

Bem Pro Sul


Composição: Sérgio C. Pereira - Luiz Marenco - Leonel Gomez


Ao sul, mas bem pro sul,
Aonde o alambrado sete fios
Se levanta em coronilhas
E angicos de outros tempos
Onde a quincha moura das carretas
Vai perdendo santa fé
Pela frouxura dos tentos

Ao sul, mas bem pro sul,
Onde num potreiro frente as casas
Pasta um vulto em aspas claras
Do último boi franqueiro
E um potro com focinho pura terra
Sustenta a primeira guerra
Contra o ferro garroneiro

Ao sul, mas bem pro sul,
Um bando de ñandú sobe ao rodeio
E se mescla à gadaria
Que aprendeu a pedir sal
E o enxame que mirins da corticeira
Vai compondo seu milagre
Fazer mel de flor bagual

Ao sul, mas bem pro sul,
Há gente que enxerga tudo isso
Cambicho apego e feitiço
Ao universo do pouco
Potros, carretas, mirins
São princípio, meio e fim
Da jornada destes loucos

Ao norte, bem ao norte,
Com pressa sou andante das calçadas
Há muito mateio louco
Que para pra ver cigarras
Pousar sobre a aguada azul
Se venho e volto a contar estrelas
Sempre encontro a última delas
Me pisca e aponta pro sul

Luiz Marenco - Batendo casco

Batendo casco

Composição: Mauro Moraes

Num trote fronteiro de atirar o freio,
vou topando o vento, só por desaforo
De ganhar a vida num gateado oveiro,
loco de faceiro, junto dos cachorros

Pelo campo-fora, pelas campereadas,
apresilho os olhos num florear lindaço
De arrastar pra o toso as "ovelha-mestra",
e tudo que não presta de arredor do rancho

Me pilcho bem lindo, tipo pro namoro
Cabresteando as rugas deste amor bagual
Que ao "cambiar" das léguas, vai boleando a perna
Pra Santana Velha do Rio Uruguai

De sovéu bem curto "vamo" meu cavalo,
amagando pealos nesses mundaréu
Atorando as chircas numa manga d'água,
amadrinhando a mágoa sem "tirá" o chapéu

"Semo" um do outro sem "rasgá" baixeiro,
adelgaçando o pelo neste manancial
Aparando as crinas, do pescoço a orelha,
de uma égua prenha sem "passa" o buçal

Luiz Marenco - Bandeira da Guerra

Bandeira da Guerra

Uma carreta rangindo, ainda nessas estradas,
Trazendo a história de um povo e uma bandeira
hasteada.
No mesmo tranco dos bois, chega de um tempo passado,
Lerda e pesada pra venda, vai adentrando o povoado.

Marcas de cascos e rodados na mesma estrada de terra,
Que n'outro tempo levou esta bandeira de guerra,
Por este pago de léguas, de várzea e coxilha larga,
Abrindo rumos à frente a comandar uma carga.

Uma parelha de pampas, outra buena de brasinos,
Trazendo a força das juntas, juntas pro mesmo
destino.
(Dos que botam a mão na terra pra garantir seu
sustento
E carregam já puídas suas bandeiras no vento.) Bis

Vai perto a dor da picana, mais longe um cusco de
atrás
E a esperança no rastro de quem tem fé no que faz.
Trazendo nessas carretas, vida e luta
"acolheradas"
E uma história mermando de tanto tempo e estrada.

Pra quem olhasse ainda hoje uma carreta e seu
dono,
Nem se daria por conta esse tamanho abandono...
Aos que trazem seu destino e a vida na própria
cara
E a bandeira do Rio Grande na ponta de uma taquara.

Luiz Marenco - Bailongo No Mato Grande

Bailongo No Mato Grande

Composição: Jayme Caetano Braun

Um par se vem. Outro se vai, outro que fica
A gaita louca, se desmancha no salseiro
Salta faísca, com fumaça de candeeiro
E reverbera no cabelo da marica

A gaita velha muitas vezes é culpada
Do diz-que-diz-que nos bochinchos e segredos
Mas o gaiteiro, faz de conta e não diz nada
Porque ele sabe que os culpados são os dedos

De cada china cada olhar é uma aripuca

Promessa linda que tonteia quando chama
Na vaneirita que se adoça e que derrama
Um céu de estrela nas pupilas da maruca)
Um galo canta, um cusco acoa, um touro berra

E na penumbra, a parceria se abaguala
O chinaredo farejou cheiro de terra
E há uma neblina galopeando pela sala
E a gaita xucra se aveluda se alonjura
Depois se amansa num soluço de ansiedade
E anda nos ares gaguejando uma saudade
Não há quem saiba de onde vem tanta ternura

Luiz Marenco - Bailes do Boqueirão

Bailes do Boqueirão

Composição: Jayme Caetano Braun - Luiz Marenco

Nos bailes do boqueirão sem espora ninguém dança
E toda e qualquer lambança se decide no facão
Nos bailes do boqueirão candeeiro de querosene
Gateada, ruiva e morena a gente amansa a tirão

Nos bailes do boqueirão com cordeona de oito baixo
A fêmea que agarra o macho e é proibido carão
Nos bailes do boqueirão não tem de mamãe não gosta
Depois que a chirua encosta só que aparte com facão

Nos bailes do boqueirão nunca se muda de rima
O mais fraco vai por cima e o mais forte anda no chão
Nos bailes do boqueirão ninguém é dono de china
E o causo sempre termina num sururu de facão

Nos bailes do boqueirão quando o candeeiro termina
Apenas o olhar da china serve de iluminação
Nos bailes do boqueirão sempre que dá um tempo feio
O taio de palmo e meio é menor que um beliscão

Luiz Marenco - Ave Maria da Guitarra

Ave Maria da Guitarra

Ave milonga pampeana Maria dos campeadores
Rogai por nos sonhadores em cada tarde do pago
Nos que lavamos a erva pelas horas chimarronas
Enfumaçando cambonas pra disfarçar os amargos

Ave milonga fronteira senhora dos cantadores
Que andai pelos corredores enluarando tições
Venha abençoar os sulinos que extraviaram seu canto
E desgarraram do campo na ilusão de outros galpões

Ave milonga campeira santa mãe dos payadores
Os que descantam amores quando a solidão se agarra
Os que encarnam as dores todas penas do universo
E se libertam num verso na vastidão das guitarras

Ave milonga aragana oração das invernadas
Cruz negra que nas estradas palanqueia os caminhantes
Abençoai os marianos que tapeando o chapéu
Firmaram marcha pra o céu na ânsia de chegar antes

Ave milonga profeta bendição para um tempo novo
Vem batizar o meu povo que enraizou-se nas vilas
Que changueia o pão divino no portal de um cola fina
E toreia a própria sina no tenteio de alguns pilas

Ave milonga vaqueana onde um cristão reza o terço
Berço pra um guitarreiro transpor cantiga em puaço
Vos peço com devoção que no juízo final
Eu ressuscite imortal com uma guitarra nos braços

Ave milonga... bendita prece entre as guitarras

Luiz Marenco - Assim Se Vai "p`a Três Cruzes

Assim Se Vai "p`a Três Cruzes

Composição: Xirú Antunes e Rogério Ávila

Assim se vai "pa Tres Cruces",
Sair batendo cincerro,
A alma solta adelante
Num trote de cruzar cerros

Cruzei por "sauce" florido,
Água no peito da eguada,
Noite de orvalho na quincha
E a lua mostrando a estrada

Lá em cima a d`alva encendida
Me "invitando" a "silbar",
Tem o brilho dos teus olhos
Quando acende a me chamar

Me vou buscando teu rumo,
"A mi modo de gauchar,
El camino es más florido"
Quando vou pra te encontrar

"Camino" de cerros largos,
"Canción" de "noche" e luar,
Aroma de flor do campo,
Figueirilha e araçá

Assim se vai "pa Tres Cruces",
"Camino" largo de Pampa,
Alma solta adelante
E o pago todo na estampa

Luiz Marenco - Aquele Zaino

Aquele Zaino

Composição: Aureliano de Figueiredo Pinto - Noel Guarany

"Entre os cavalos que eu tive
ouve um zaino requeimado!
Era bom como um pecado,
de pata e rédea - um relampo!
Bonito para um passeio.
Garboso e atirando o freio
em toda a lida de campo."

Foi de fama, esse pingaço
arrocinado por mim!
Orelhas grandes assim
como pombas haraganas.
Por seu galope hay tiranas
que ainda se alembram de mim.

"Os grandes tiros de laço,
os de parar a gauchada,
e os pealos de escornada,
mais do que a vista e que ao braço,
e os devia ao grande pingo!"

E quantas vezes, ringindo
cincha, bastos, e caronas,
me levava às querendonas,
pelas tardes de domingo!

"Sentava-lhe um cogotilho!
Fogoso para um floreio,
mansito para um idílio.
Por noites de tempo feio,
certo no rumo ou no trilho.
E até recordo um enterro
em que um taura ia pra toca:
Ao tranquito...acompanhando...
meu zaino...ia se ladeando...
pra um selim de chinoca."

Foi um amigo que eu tive,
esse zaino requeimado!
Só de lembrá-lo revive
uma saudade importuna.

"Nele, firme no lombilho,
eu me sentia um caudilho
nas vanguardas da coluna"

"Nos bailes, de madrugada,
(ou mesmo n'algum bochincho...)
preso ao palanque, alarmado,
chamava o dono enredado,
pelos clarins do relincho!"

"Como a dizer: - está na hora,
Patrão, de voltar a estância!
Já chega de extravagância,
Amigo, bamos simbora!"
Logo as chilenas cantavam,
o lenço e o pala ruflavam,
e as toaditas retrechavam
no galope estrada fora."

"Por tardes, cabeça erguida,
olhava ao longe...desperto.
Talvez sonhando a aventura
da correria e a loucura
de algum sultão do deserto."

"Dos seus ancestrais, na Ibéria,
decerto algum foi montado
por alguém que não entangue
o tempo a memória de ouro!
Batalhas de luso e mouro,
que ainda carrega no sangue."

Às vezes corria à toa,
solto, em violento furor,
em tão tremendo atropelo,
tal se levasse de em pêlo
um guarany boleador.

"Lavado em suor, venta aberta,
uns olhos de javali!
Estampa de alarma e alerta,
cogoti de buriti.
Com as orelhas mais inquietas
que gavião quiri-quiri!
Como se um canhão tronasse
e o velho Osório o montasse
nos campos de Tuiuti..."

Luiz Marenco - Aos Olhos da Terra

Aos Olhos da Terra

Composição: Xirú Antunes

Toda força desta vida
Vem da terra que palpita
No seio do coração
É seiva que vem do chão
E se transforma em paixão
Cicatrizando feridas

O pão que madruga os fornos
Misturado ao apojo
Escorrido na mangueira
Traz na seqüência dos dias
A verdade mais antiga
Que o campo é a mesa do povo

O braço que estende laços
A força destes cavalos
É pasto verde, é arado
Plantando o aço do corpo
É o sal das sangas do rosto
Junto aos rebentos semeados

Toda escassez que maltrata
É injustiça que abarca
Nos recintos do improviso
Onde os senhores do vício
Fazem planos e ofícios
Com insensatez de gravata

A dor que mexe com a gente
É que a cultura indigente
Anda pedindo socorro
A terra morre de fome
Pra alimentar sobrenome
Que germinam inconseqüentes

A coragem deste canto
Surgiu aos olhos da terra
Como se ela criasse
A construção do poema
E reclamasse suas penas
Porque todos vivem dela

Luiz Marenco - Andarilho

Andarilho

Composição: Xirú Antunes - Luiz Marenco

Abro a porteira e me aparto
Do campo verde e estancieiro
Só pra estender meu baixeiro
No capão dos corredores
Sou destes que os cantadores
Batizaram nas guitarras
No peito dum malacara
Vivo empurrando horizontes

Minha bíblia é um "Martín Fierro"
Sempre esbarro numa china
E a imagem que me domina
É um parador de rodeio
Já tive um rancho, senhores
E tardes de primaveras
Onde eu lavava a erva
Sentindo o cheiro das flores

Sou ponto vivo e consciente
Na estância real das estradas
Vivo domando as mágoas
De um passado inconveniente
Nas horas das rondas claras
O pensamento é tordilho
E eu recorro cada estrela
Recostado no lombilho

Meus olhos horizontais
Pintam quadro em campo alheio
Cada porteira é um anseio
Pra um calmo desencilhar
Talvez um dia eu encontre
Um olhar destes morenos
Sem baldas e nem venenos
E aqui me ponho a cantar

A cantar
A cantar
A cantar
A cantar...

Luiz Marenco - Alma Pampa

Alma Pampa

Composição: Jayme Caetano Braum / Luiz Marenco

Quem te batizou milonga, decerto foi algum monge
Que escutou de muito longe o teu murmúrio de sanga
Ou quem sabe alguma changa, dormideira nos arreios
Dessas que fazem ponteios com unhas de japecanga
Dessas que fazem ponteios com unhas de japecanga

Ou quem sabe algum sorsal, de topete colorado
Num prelúdio abarbarado das canas do taquaral
Talvez quem sabe um bagual corcoveando num repecho
Floreando as cordas do queixo nas pontas do pastiçal

Brasileira, castelhana, milonga ronco de mate
Tu nasceste do embate da velha saga pampeana
Espanhola, lusitana, entre patriadas e domas
Sem divisas, sem diplomas, cursando o mesmo dialeto
Porque o vento analfabeto fala em todos idiomas

Quem sabe talvez a lança, riscando a primeira linha
Quando a adaga se embainha, cadenciava uma romanza
Ou talvez a vaca mansa, dentro da várzea perdida
Na ternura enrouquecida, feito instinto e lamento
Anunciando o nascimento da cria recém lambida

Por isso em qualquer fronteira, no esboço da lonjura
És a mais linda mistura da nobre estirpe campeira
Fidalga e aventureira, com geografia na cara
Passaporte tapejara, no caminho dos andejos
Reculutando solfejos que uma linha não separa

Alma de pampa e semente que nasceu nos dois costados
Herança dos mal domados que formaram nossa gente
O passado e o presente e o futuro dimensionas
Nas primas e nas bordonas do garrão do continente
Nas primas e nas bordonas do garrão do continente
Nas primas e nas bordonas do garrão do continente

Luiz Marenco - Alma De Galpón

Alma De Galpón

Composição: Telmo De Lima Freitas (versão: Roberto Mara)

Qué bien que hace un mate a la medida
Cuando cebado al calor vivo de la mano
Mientras el día va llegando poco a poco
Despertando la boyerita más temprano

Qué bien que hace oir el potro a los relinchos
Ya en la manguera esperando su bozal
Bayo pardusco, cabos negros, de respeto
Que por lo visto, no nació pa' ser bagual

Qué bien que hace darse un baño en la cañada
Usar las pilchas domingueras pa' pasear
Escuchar los ocho bajos y el rezongos
Adivinando el pensamiento de su par

Qué bien que hace saborear gusto e querencia
Sintiendo voces del campo al amanecer
Y el tropa-tropa del arriero en los caminos
Hecho responso como un rezo pa' volver

Qué bien que hace refrescarse en la gamela
Desenfrenar para después cimarronear
Las vacas mansas rumiando junto a las casas
Y los terneros cabeceando pa' mamar

Qué bien que hace el olor de la ceniza
Respirar hondo el humo de un tizón
Mi Rio Grande, tú repites diariamente
Como se forja un'alma de galpón

Luiz Marenco - Alma de Galpão

Alma de Galpão

Composição: Telmo de Lima Freitas

Como faz bem um chimarrão feito a capricho
Quando cevado com o calor da própria mão
A madrugada negaceando mostra a cara
Cheiro de garras e pelegos pelo chão

Como faz bem ouvir o relincho do potro
Lá na magueira a espera do buçal
Baio sebruno, cabos negros de respeito
Que pelo jeito, não nasceu pra ser bagual

Como faz bem tomar um banho na restinga
Vestir as pilchas domingueiras pra passear
Ouvir a gaita de oito baixos resmungando
Adivinhando o pensamento do seu par

Como faz bem sentir o gosto da querência
Ouvir um grito explodindo no rincão
O venha, venha, do tropeiro nas estradas
Rezando a prece, de retorno ao velho chão

Como faz bem lavar a fuça na gamela
Tirar o freio pra depois chimarronear
E o gado manso ruminando junto as casas
E a terneirada num berreiro pra mamar

Como faz bem sentir o cheiro do borralho
Respirar fundo o braseiro do tição
Rio Grande velho, que retrata diariamente
Como se forja uma alma de galpão

Luiz Marenco - Alma de Estância e Querência

Alma de Estância e Querência

Composição: Sérgio Carvalho Pereira - Luiz Marenco - Jari Terres

Da gadaria faz silhueta a madrugada
Das quatro quadras da invernada do branquilho
Rodeio grande, saltou cedo a peonada
Levando a lua na cabeça do lombilho

A mim me toca repontar o fundo do campo
Na hora santa em que a manhã tira o seu véu
Levo na testa do gateado a última estrela
Que aquerenciada não quis mais voltar pra o céu

E o meu cavalo que "le gusta" ouvir um silvido
Olha comprido e põe tenência nas orelhas
Enxergo o gado e o assobio sai tão sentido
Que acende o sol num gravatá crista vermelha

O boi compreende o chamado da melodia
E a gadaria pisoteia um Santa Fé
Chegam no passo da restinga, e uma traíra
Atira um bote à flor azul de um aguapé

Olhando a ponta que encordoa pra o rodeio
Cresce o anseio de viver nestas lonjuras
Bárbara é a lida no lombo dos arreios
E alma de campo é a rendição destas planuras

Já me disseram que se acabam as invernadas
Que retalhadas marcam o fim dessa existência
Mas trago a essência e a constância de um olho d'água
E a alma penduada com sementes de querência

Luiz Marenco - Alma de Espelho de Rio

Alma de Espelho de Rio

Composição: Gujo Teixeira / Luiz Marenco

Para quem se olha no espelho de um rio
Na volta pras casas num final de lida
Enxerga sua alma com olhos de espera
Além de uma imagem no rio refletida

A água não leva por mais que ela queira
Os sonhos tão simples que espelham-se ali
Mas leva pra sempre o que fora moço
Nas tantas enchentes que faz por aqui

Quebrou-se o espelho na sede do baio
Desfez-se a paisagem costeira do rio
Ficou refletida na água em remansos
Saudades disformes do que antes se viu

Descendo a corrente uma flor de aguapé
Prendeu-se na argola da rédea caída
Quem sabe até seja uma alma serena
Querendo apegar-se de novo na vida

Os olhos da gente se perdem na aguada
Tentando enxergar pra além do chapéu
No branco das nuvens um sonho distante
Das almas perdidas que vagam no céu

Apenas quem olha assim de olhos claros
Buscando a si mesmo no calmo da aguada
Verá com certeza além de uma imagem
Sua alma de campo no rio espelhada!

Luiz Marenco - Alma de Campo

Alma de Campo

Quando o aramado da poesia sem mordaças
Vai se enfurnando no teclado da cordeona
O alambrador abre cancelas pra quem passa
Atando atilhos de cantigas redomonas

Mas sem tropéis se transforma lida braba
Ajunta as garras pra changuear de domador
Porque carrega no bocal ainda com baba
A ponte-suela de um cantor manso de amor

Alma de campo, voz de cincerro
Luzita acesa de pirilampo
Cantam esporas vida afora
Pra sempre tesa alma de campo

E nos invernos quando apeiam chuvas frias
É trançador a sovar tentos de rima
Põe passador e botões nas melodias
Que ao galponeiro são crioulas obras-primas

Alma de campo que o tropeiro traz ao peito
Onde se aninha um gaúcho coração
Campeiro canto que fazem um rumo feito
Dando oh de casa no retorno pra o galpão

Luiz Marenco - A Moda Martín Fierro

A Moda Martín Fierro

Composição: Jayme Caetano Braun / Luiz Marenco

Aqui me ponho a cantar
Ao compasso da guitarra
Que o índio que se desgarra
Nunca mais pode parar
Viver é contrapontear
Na tristeza onde se atola
Sem jamais pedir esmola
Nem carinho, nem perdão,
Pois abrindo o coração
É que o guasca se consola

E adonde venho respondo:
Sou da pampa e do varzedo
Guri criado sem medo
De cobra ou de marimbondo
Eu sei que o mundo é redondo
No seu arrodear sem fim
Índio pobre, e mesmo assim
Me alimento com meu canto
Tantos são donos de tanto
Ninguém é dono de mim

(Talvez por ser prisioneiro
Das ânsias e rebeldias
De andar as noites e os dias
Rondando como tropeiro
Talvez por ser guitarrero
Criado sem protocolo
Desde que mamei no colo
Da mama bugra campeira
Trago a alma prisioneira
Das coisas que vêm do solo)

Enquanto houver um paisano
Que ponteie uma guitarra
Enquanto houver uma garra
No lombo de um orelhano
Enquanto houver um pampeano
Guardando o sagrado estilo
Eu hei de seguir tranqüilo
Sem galopear, não me apuro
Porque quanto mais escuro
Mais claro é o canto do grilo

E quando eu me for, indiada,
Não quero mágoa nem choro
Não vai fazer falta um touro
Há tantos nesta invernada
Um 'Deus te salve', mais nada
Quando souberem: morreu
Já podem saber que eu
Que esbanjei tantos carinhos
Ando a campear nos caminhos
O que eu quis ser e não deu
Ando a campear nos caminhos
O que eu quis ser e não deu

Luiz Marenco - A Campo Fora

A Campo Fora

Composição: Eron Vaz Mattos / Luiz Marenco

Manhã linda, vento morno, os ovelheiros trabalham
Cheiro de flores exalam de campo, várzea e banhado
Olho atento, laço armado, cuidando o lado do vento
Pra estender os quatro tentos nas aspas de um abichado

O Eder velho firma a rédea e laça um boi
Livra o tirão e depois frouxa pro garreio
Cerro de perna, abro o cavalo e estendo a trança
Num lindo pealo na beirada do rodeio

Deixa cinchando mas passa a rédea no laço
Porque esse zaino sabe muito desse enleio
Orelhas firmes, mui atento no serviço
Sem outro vício que ficar mordendo o freio

Se tá curado, tira o laço, apara a cola
Arruma as garras enquanto eu fico cinchando
Monta a cavalo ralha os cachorros pra trás
Que o boi é brabo, vai sair atropelando

De volta às casas, trote manso, pingo suado
Chapéu tapeado e os ovelheiros de atrás
Olhando ao longe o espinhaço do horizonte
Onde o sol treme e a distância se refaz

Se assusta feio o meu cavalo se negando
De um avestruz que de repente sai do ninho
Desprevenido quase saio dos arreios
O que me vale é ter pegada nos machinhos!

Luis Marenco - A Boa Vista do Peão de Tropa

A Boa Vista do Peão de Tropa

Composição: Mauro Moraes

Nos rincões da minha querência, arrabaleira conforme a vontade
Me serve um mate, pampa minha, nesta vidinha que me destes
Antes que embeste a novilhada, prá o mundo alheio das porteiras
Saúdo a poeira dessas crinas, que me arrocinam sujeitando

E da garupa do cavalo, faço um regalo a ventania
Que na poesia destas léguas, tomo por rédeas e conselhos
Chamo no freio a coisa braba, o tempo é feio, mas que importa
Quando se engorda na invernada, não falta nada prá quem baba
De focinho levantado e mais curioso

A fim de ir, a estância do passo, na direção de casa, costeando o arvoredo
O meu desespero porfia co'a tropa fazendo o que gosta, ao sul de mim mesmo
E todo o bem que havia, maneado ao destino divide caminho com a rês que amadrinha
O rio que eu não via, mimando de sede, a minha saudade

Na função dos meus afazeres, rememorados conforme a manada
Vou ressabiando afeito a fadiga, nas horas mingas de sossego
Talvez melhore durante a sesteada, sou por mais igual a campanha
Tamanha a alma de horizontes, ali defronte os cinamomos

Já não habita a teimosia, atropelando o meu rodeio
Quando me agüento no forcejo, pra erguer no laço os caídos
Não me lastimo, nem receio, vou pelo meio do sinuelo
Tocando manso os mais ariscos, só pelo vício de por quartos
Cuidar do gado, rondando o baio, que amanuceio

Luiz Marenco - Eu E O Rio

Composição: Glênio Fagundes/ Noel Guarany.

Eu E O Rio

Mateando a sede do pago
Na sonolência das margens
Sobre um espelho de imagens
Passa o rio tranquilamente.

Estrada clara de seiva
Lua de estrelas prateado
Onde peleia o dourado
Na boca dos espinhéis.

Peregrino dos caminhos
Nos rumos dos horizontes
Adeus no calor dos ninhos
Acena o sonho dos montes.

Meu corpo, barca perdida
Entre canções despraiando
Passando no rio da vida
Vagando, sempre vagando.

Debruça em sono a barranca
Desliza a balsa sonhando
Por entre nuvens rogando
Mistérios dos aguapés.

Nunca retorna ao caminho
Desmaiado em suas ânsias
Mergulha pelas distâncias
Sem saber bem o que quer.

Meu corpo, barca perdida
Entre canções despraiando
Passando no rio da vida
Vagando, sempre vagando.

Peregrino dos caminhos
No rumo dos horizontes
Matando a sede da terra
Vivendo a sede de andar.

Luiz Marenco - Quando O Verso Vem Pras Casa

Quando O Verso Vem Pras Casa

A calma do tarumã, ganhou sombra mais copada
Pela várzea espichada com o sol da tarde caindo
Um pañuelo maragato se abriu no horizonte
Trazendo um novo reponte, prá um fim-de-tarde bem lindo

Daí um verso de campo se chegou da campereada
No lombo de uma gateada frente aberta de respeito
Desencilhou na ramada, já cansado das lonjuras
Mas estampando a figura, campeira, bem do seu jeito

Cevou um mate pura-folha, jujado de maçanilha
E um ventito da coxilha trouxe coplas entre as asas
Prá querência galponeira, onde o verso é mais caseiro
Templado a luz de candeeiro e um "quarto gordo nas brasa"

A mansidão da campanha traz saudade feito açoite
Com olhos negros de noite que ela mesma querenciou
E o verso que tinha sonhos prá rondar na madrugada
Deixou a cancela encostada e a tropa se desgarrou

E o verso sonhou ser várzea com sombra de tarumã
Ser um galo prás manhãs, ou um gateado prá encilha
Sonhou com os olhos da prenda vestidos de primavera
Adormecidos na espera do sol pontear na coxilha

Ficaram arreios suados e o silêncio de esporas
Um cerne com cor de aurora queimando em fogo de chão
Uma cuia e uma bomba recostada na cambona
E uma saudade redomona pelos cantos do galpão

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Luiz Marenco - Os da Ultima Tropa

Sérgio Carvalho Pereira/Luiz Marenco

Os da Ultima Tropa

A poeira dos cascos,
Baixava de manso,
Ganhando a canhada,
E o eco morrente da tropa pesada,
Mermava no léu,
Como envolto em um véu,
Um par de aspas claras,
A Deus levantava,
Um tranqueiro ponteava
Mugindo tristonho,
Olhando pra o céu.

O capataz pensa em seis dias de marcha,
E mais cinco rondas,
Rebombeia o horizonte,
Pra ler pela barra
Que a chuva não vem.
Com os anos que tem,
Encordoa a tropa
Que entende e se alonga,
Pra rede do areal o passo do rio,
Até embarcar no trem.

Se finava o maio,
Que já fora mês de tão grandes tropas,
Campeiros regressam em capas e ponchos,
Depois de dez dias.
Como estátuas de cerne,
Quebrados de aba,
E batidos de copas.
Descortejam a volta,
Coruja na trama,
A estrada vazia.

Se foram sumindo os da última tropa,
Na volta da estrada.
E um ventito sureño.
Assobiava cantigas,
Chamando a invernia.

Vai com mãos macias,
Brincando com areia
De apagar pegadas
Das tropas mais nada,
Que marcas de fogo pelas sesmarias.

E vira a primavera e o pasto rebrota
Esquecido do fogo,
Já pro ano nas safras,
Não cruzaram xucros pelo corredor,
Sobram os homens do basto,
E do meio um capão debaixo dos pelegos.
Culatriar seus recuerdos,
Com as cercas da estrada,
Gritando em fiador.

E vira a primavera e o pasto rebrota
Esquecido do fogo,
Já pro ano nas safras,
Não cruzaram xucros pelo corredor,
Sobram os homens do basto,
E do meio um capão debaixo dos pelegos.
Culatriar seus recuerdos,
Com as cercas da estrada,
Gritando em fiador.

Se finava o maio,
Que já fora mês de tão grandes tropas,
Campeiros regressam em capas e ponchos,
Depois de dez dias.
Como estátuas de cerne,
Quebrados de aba,
E batidos de copas.
Descortejam a volta,
Coruja na trama,
A estrada vazia.

Se foram sumindo os da última tropa,
Na volta da estrada.
E um ventito sureño.
Assobiava cantigas,
Chamando a invernia.

Vai com mãos macias,
Brincando com areia
De apagar pegadas
Das tropas mais nada,
Que marcas de fogo pelas sesmarias.

E vira a primavera e o pasto rebrota
Esquecido do fogo,
Já pro ano nas safras,
Não cruzaram xucros pelo corredor,
Sobram os homens do basto,
E do meio um capão debaixo dos pelegos.
Culatriar seus recuerdos,
Com as cercas da estrada,
Gritando em fiador.

E vira a primavera e o pasto rebrota
Esquecido do fogo,
Já pro ano nas safras,
Não cruzaram xucros pelo corredor,
Sobram os homens do basto,
E do meio um capão que baixou dos pelegos.
Culatriar seus recuerdos,
Com as cercas da estrada,
Gritando em fiador.
Eeeera boi!

Luiz Marenco - Batendo Água

Gujo Teixeira

Batendo Água


Meu poncho emponcha lonjuras batendo água
E as águas que eu trago nele eram pra mim
Asas de noite em meus ombros sobrando casa
Longe "das casa" ombreada a barro e capim

Faz tempo que eu não emalo meu poncho inteiro
Nem abro as asas de noite pra um sol de abril
Faz muitos dias que eu venho bancando o tino
Das quatro patas do zaino pechando o frio

Troca um compasso de orelhas a cada pisada
No mesmo tranco da várzea que se encharcou
Topa nas abas sombreras, que em outros ventos
Guentaram as chuvas de agosto que Deus mandou

Troca um compasso de orelhas a cada pisada
No mesmo tranco da várzea que se encharcou
Topa nas abas sombreras, que em outros ventos
Guentaram as chuvas de agosto que Deus mandou

Meu zaino garrou da noite o céu escuro
E tudo o que a noite escuta é seu clarim
De patas batendo n'água depois da várzea
Freio e rosetas de esporas no mesmo trim

Falta distância de pago e sobra cavalo
Na mesma ronda de campo que o céu deságua
Quem tem um rumo de rancho pras quatro patas
Bota seu mundo na estrada batendo água

Porque se a estrada me cobra, pago seu preço
E desabrigo o caminho pra o meu sustento
Mesmo que o mundo desabe num tempo feio
Sei o que as asas do poncho trazem por dentro

Porque se a estrada me cobra, pago seu preço
E desabrigo o caminho pra o meu sustento
Mesmo que o mundo desabe num tempo feio
Sei o que as asas do poncho trazem por dentro

Luiz Marenco - Enchendo Os Olhos De Campo

Luiz Marenco, Gujo Teixeira, Valério teixeira

Enchendo Os Olhos De Campo


Manhazita de maio e notícias do céu desabam nas casa
Um angico nas brasas, consome sem pressa seu cerno de lei
O meu cusco ovelheiro fareja o suor da xerga estendida
Que descansa da lida e do lombo do baio, meu trono de rei

Outro ronco de mate quebrava o murmúrio das chuvas nas telhas
E o baeta vermelha, aberto em suas asas pingava no chão
Imitando um sol posto, largava de pouco luz a da janela
E empurrando a cancela um ventito minuano assobiava no oitão

Pelo olhar da janela a vista perdia-se pelo campo vasto
Verdejando o pasto, coxilha e canhada até a beira do rio
Um mangueirão grande, guardando um silêncio dormido de pedras
E uma estrada de léguas são parte da estória de alguém que partiu

Partiram pra longe, feito tantos do campo, feito tantos dos meus
Que por conta de Deus e a procura de mais encilharam cavalos
E rumaram pra sempre, deixando o galpão, saudade e um mate
Pra depois n'outro embate, pelear por sonho e talvez encontrá-lo

Hoje abro a janela e pergunto pro tempo: por onde andarão?
Os que aqui no galpão, cevaram amargos por conta da lida
Que estenderam seus ponchos, baetas vermelhas de almas lavadas
Onde em léguas de estradas, na calma das tropas prosearam a vida

Só o silêncio das pedras e água da chuva que encharca a mangueira
E uma dor costumeira, saudosa do tempo, me fazem costado
Vejo o angico nas cinzas e o cusco ovelheiro, deitado num canto
E encho os olhos de campo de água e saudade, lembrando o passado
Manhãzita de maio, manhãzita de maio.

Luiz Marenco - Milonga de Tres Banderas

Jayme Caetano Braum - Noel Guarany


Milonga de Tres Banderas



Vieja milonga pampeana
Hija de llanos y vientos,
Chiruza de cuatro alientos
De la tierra Americana;
Vieja milonga paisana
De los montes y praderas,
Tus mensajes galponeras
Trenzaran en la oración
Al pié del mismo fogón
Los gauchos de tres banderas.

Brasileño y Oriental,
Rio-Grandense y Argentino,
Piedras del mismo camino,
Aguas del mismo caudal,
Hicieran, de tu señal,
Himnos de patria y clarin,
Hasta el mas hondo confin,
Bajo el cielo americano,
De Osório-Artigas-Belgramo,
Madariaga y San Martín!

A tu conjuro peliaran,
Vieja milonga machaza
Los centauros de mi raza
Que al más allá se marcharan
Y las hembras te besaran
Con cariño y con amor
Cuando en la guitarra flor,
Enriedada en el coraje,
Fuiste un llamado salvaje
Al corazón del cantor!

Milonga - poncho y facón,
Calandria pampa y lucero,
Grito machazo del tero,
Calor de hogar y fogón,
Milonga del redomón,
Llevando pátria en las ancas,
Milonga de las potrancas
Milonga de las congojas
Milonga divizas rojas,
Milonga divizas blancas.

Blanco y azules pañuelos,
Celeste verde amarillos,
Milonga de los caudillos
Que hilvanaran nuestros suelos,
Milonga de los abuelos
De las cepas cimarronas,
Milonga de las lloronas
Repiquetiando de lejos,
Milonga de los reflejos
En las trenzas de las peonas.

Martín Fierro - El Viejo Pancho,
Blau Nunes y Santo Vega,
Tu sonido gaucho llega
Parido del mismo rancho
a lo largo y a lo ancho
Dibuja el suelo patrício
Cuando el payador de ofício
Repunta en vuelo bizarro,
Lanceros de Canabarro,
Rastreadores de Aparício.

Con tu sonido encadenas
Nel mismo pampa dialecto,
Antonio de Souza Neto,
Poncho - lanza y nazarenas,
Milonga sangre en las venas
De la história que se aleja,
Legenda de pátria vieja
Que hizo del cielo diviza
Con Justo José de Urquiza,
Juan Antonio Lavalleja.

Milonga de tres colores
Punteada en cuerdas de acero,
Cuando el último jilguero
Ensaya sus estertores,
Nosotros los payadores,
De la tradoción campera,
Saldremos a campo fuera,
Por los ranchos y fogones,
Tartamudeando oraciones
Para que el gaucho no morrera.

Pero el jamás murirá,
Gaucho no puede morir,
Es ajes y el porvenir,
Lo que fué y lo vendrá,
La lanza y el chiripá
Podran quedar nel repecho,
Pero - libertad e derecho,
Dignidad y gaucheria,
El patriotismo y la hombria
Los guardamos en el pecho.

Milonga de tres banderas,
Templada por manos rudas,
Mensaje de Dios, sin dudas
Sin cadenas ni fronteras,
Mañana por las praderas
Quando el sol gaucho se ponga
El viento pampa resonga
Con su guitarra de estrellas

Haciendo pátria con ella
Pues donde hay pátria, hay milonga.

Luiz Marenco - Cavalo Bom Vai Pro Céu

Gujo Teixeira, Luiz Marenco

Cavalo Bom Vai Pro Céu


"Ficou uma cruz cravada e um silêncio de arreio
Nem rangido, nem um coscorro da mordedura do freio
Ficaram estrivos juntos, xergão de carda, suado
E uma silhueta estendida, da dimensão do gateado"

Quem foi potro em primaveras, madrugando minhas encilhas
Já foi barco de alma leve, navegando essas coxilhas
Cascos de lua crescente, pra o céu grande das flexilhas
Há de encontrar invernada, rincão, querência ou potreiro
Lugar que o Deus dessa pampa, reserva pra os seus campeiros

Quem sabe o céu te espere, com garras de corvos negros
Ou intempéries de chuvas, trocando a dor por sossegos
Lavando um lombo sem viço, sem forquilha nem pelego
Quem já foi flor nos setembros, sendo Rio Grande na praça
Vai matar campo e flexilha, pra consumir sua carcaça

Quem soube morrer de velho, destino bom de cavalo
Numa várzea de sol posto, entrega-se qual regalo
Pras mãos certeiras do tempo, que nunca erra o pealo
Pois só quem teve um gateado, conhece as coisas que digo
Não mate ou venda um cavalo, que estás traindo um amigo

Quem foi terra sem cobrá-la, retorna agora pra ela
Querência da minha encilha, fechou pra sempre a cancela
Entregando os olhos pampas, pra uma estrela sentinela
Rogando a sombra da cruz, boto no peito o chapéu
Reverencio pra terra, cavalo bom vai pro céu

Luiz Marenco - Funeral de Coxilha

Sérgio Carvalho Pereira , Luiz Marenco

Funeral de Coxilha


Repousa o corpo tranqüilo
No funeral da coxilha
Terra bordada em flechilha
É o catre de quem retorna
A tarde encomprida a forma
Das guanxumas e alecrins

Não há tristezas nem fins
Na morte que o campo adorna
Não há tristeza no pio
Da perdiz ciscando a vida
Não há fim quando a partida
Vai se tornando chegada
Quem foi de campo e de estrada
Não quer melhor companhia
Que o largo da sesmaria
O luxo de uma invernada

Morreu num final de tarde
Entre pasto rebrotado
Quando uma ponta de gado
Buscava a paz de algum capão
A noite acende um clarão
Prendendo velas miúdas
Em dois olhos de coruja
No castiçal de um moirão

E o campo todo recebe
Corpo e alma em funeral
Se tornará cinza e sal
Fundida com terra e água
E o choro da madrugada
Que entre seus pêlos se entranha
Dá brilho a teia da aranha
que a macega deu pousada

Por isso que minha gente
Jamais enterra um cavalo
O campo sabe cuidá-lo
Quando pra nós tudo encerra
A natureza não erra
Ressuscita na coxilha
Nas flores da maçanilha
Graça e força sobre a terra

Morreu num final de tarde
Entre pasto rebrotado
Quando uma ponta de gado
Buscava a paz de algum capão
A noite acende um clarão
Prendendo velas miúdas
Em dois olhos de coruja
No castiçal de um moirão

Luiz marenco - Estrela D'alva

Jayme Caetano Braun

Estrela D'alva


Parece até que esta estrela
Que adoro desde criança
Deus deixou pra vaca mansa,
Da estância do céu sinuela
Sempre me comovo ao vê-la,
Tão luminosa, tão bela
Atravessando a cancela
Do céu que muda de cor
Anunciando ao mateador
Que o dia vem de atrás dela

A madrugada se atora
Depois que a noite se aninha
E a Estrela D'alva, rainha
Sai chispeando campo afora
Cada manhã que te vejo,
Velha Estrela D'alva eu sinto
Aquele bárbaro instinto
Que fez do guasca o andejo
E um incontido desejo
De andar caminho e coxilha
Rastreando a indiada andarilha
Que a lo largo se perdeu
E morrendo renasceu
Pra ser pendão de flechilha

A madrugada se atora
Depois que a noite se aninha
E a Estrela D'alva, rainha
Sai chispeando campo afora
E aqui me paro a pensar
Do que a pouco ouvi dizer
Que é necessário aprender
Para depois ensinar
Pois por mais rudimentar,
Que seja o ensinamento
Cada frase é como um tento
Que precisa ser lonqueado,
E depois bem desquinado
Para trançar um sentimento

A madrugada se atora
Depois que a noite se aninha
E a Estrela D'alva, rainha
Sai chispeando campo afora

Às vezes sinto na alma
Que nunca mais eu me aprumo
Se um dia eu perder o rumo
Do clarão da Estrela D'alva

Luiz Marenco - Comparsão de Janeiro

Evair Gomez, Juliano Gomes

Comparsão De Janeiro


Olha a verdura, cancheiro
Que os velo vêm se estendo
Qual nuvens pelos setembros
Que o vento manso tropeia

Venho minguando o rebanho
A tec-tec de tesoura
E tu garreando a vassoura
Num comparsão de janeiro

Uma botella rolhada
Sacudo num trago largo
Ritual campeiro do pago
Pra evita a tremedeira
E largo de foia inteira
Bolcando a lã pra um costado
Cancheiro me alcança outra
Que to desmaneando esta
Pois até o silêncio se inquieta
Ao não escutar minha tesoura

Escuto o golpe da ficha
Pagando o toso na lata
E arremangando as bombacha
Me curvo, tocando ficha
Assim, a safra se espicha
Por este pago fronteiro
A tec-tec de tesoura
Num comparsão de janeiro

Uma botella rolhada
Sacudo num trago largo
Ritual campeiro do pago
Pra evitar a tremedeira

E largo de foia inteira
Bolcando a lã pra um costado
Cancheiro me alcança outra
Que to desmaneando esta
Pois até o silencio se inquieta
Ao não escutar minha tesoura

Luiz Marenco - Assim no Más

Compositor: Mauro moraes

Assim no Más

Por conhecer a lida que a vida me deu
Meu galopar de moço escramuça de dor
Quando te vejo vindo meu fruto da mata
Arrastando alpargata carente de amor

Parece que o silêncio das rondas noturnas
Amontam o potro arisco da imaginação
Quando te espero cedo meu rumo isolado
Lavando o amargo apesar da ilusão

Esporiei reminiscências com pesadas nazarenas
Na esperança que a saudade amansassem as minhas penas
Mais dias menos dias domando pelegos
Vou arranjar sossegos que a espera me deu
Embriagando mágoas nas águas da sanga
Onde sovei as pampas meus sonhos nos teus

Nas ressolanas tardes de anseios trocados
A terra prometida arando restevas
Guardando pra semana o mel da lichiguana
E a manhã castelhana que habita as estrelas

E assim no más me perco alumbrado de achegos
Em meio a circunstância dos mesmos juncais
Que te acolheram nua meu resto de lua
No poente charrua emponchado de paz

domingo, 23 de maio de 2010

Luiz Marenco - Pra o Meu Consumo

Compositor: Gujo Teixeira
Album: ?
Ano:?

Pra o meu consumo

Têm coisas que tem seu valor
Avaliado em quilates, em cifras e fins
E outras não têm o apreço
Nem pagam o preço que valem pra mim

Tenho uma velha saudade
Que levo comigo por ser companheira
E que aos olhos dos outros
Parecem desgostos por ser tão caseira

Não deixo as coisas que eu gosto
Perdidas aos olhos de quem procurar
Mas olho o mundo na volta
Achando outra coisa que eu possa gostar
Tenho amigos que o tempo
Por ser indelével, jamais separou
E ao mesmo tempo revejo
As marcas de ausência que ele me deixou..

Carrego nas costas meu mundo
E junto umas coisas que me fazem bem
Fazendo da minha janela
Imenso horizonte, como me convém

Daz vozes dos outros eu levo a palavra
Dos sonhos dos outros eu tiro a razão
Dos olhos dos outros eu vejo os meus erros
Das tantas saudades eu guardo a paixão

Sempre que eu quero, revejo meus dias
E as coisas que eu posso, eu mudo ou arrumo
Mas deixo bem quietas as boas lembranças
Vidinha que é minha, só pra o meu consumo...